A VIDA MÍSTICA ATRAVÉS DOS DOIS GRANDES MANDAMENTOS- UM Parênteses na Eternidade” Livro de Joel Goldsmith

O primeiro estágio de nosso Desenvolvimento Espiritual é uma experiência de cada vez mais convicção da Presença e sua disponibilidade em todas as circunstâncias e condições. Traduzido por Giancarlo Salvagni –  Observações em vermelho  e frases ou palavras grifadas por Jeff Trovão

Simultaneamente com essa garantia crescente, também nos tornamos conscientes de quanto falhamos em viver de acordo com a estatura do Cristo Jesus e como somos pequenos até mesmo para seguir os Dez Mandamentos.

Percebendo a Presença de Deus e comungando com Ele, despertamos para as nossas falhas, e é neste momento que entramos no segundo estágio de nossa Vida Espiritual. Aqui é que começamos conscientemente a tentar viver de acordo com os Mandamentos, particularmente aqueles que temos mais dificuldade de observarmos. Não é muito difícil descobrir o grau de inveja que nos espreita, o preconceito e intolerância, as pequenas mentiras e enganos, as hipocrisias. Tudo isso vêm à luz porque, quanto mais trazemos a Palavra de Deus para a nossa Consciência, mais nós expomos nossa própria falta de piedade. Isso forçosamente traz para a nossa atenção a necessidade de desenvolvermos uma maior ética e moral.

No segundo estágio de nosso desenvolvimento, portanto, nós sinceramente tentamos viver de acordo com nosso mais alto senso de correção, dependendo da Presença de Deus para nos ajudar, e confiando no Invisível Interior para nos elevar a um maior grau de humanismo. Começamos a pensar mais em sermos benevolentes e caridosos, e sobre a prática da fraternidade. Não apenas reconhecemos a importância de cuidar de nossas próprias famílias e aqueles que precisam de ajuda em nossa comunidade, mas começamos a pensar em termos de pessoas em países estrangeiros, de ajuda para os angustiados, ou fornecendo educação para aqueles que no momento não podem pagar. Nós transformamos nosso pensamento na direção de viver para os outros, ajudando e trazendo melhores relações humanas no trabalho ou entre membros de diferentes religiões. Tudo isso é uma tentativa de fazer dos dez mandamentos parte integrante da nossa vida diária.

Estes Mandamentos faziam parte de um código de ética dado ao mundo pelos hebreus, na forma de regras que regem a conduta dos seus religiosos. Quer se tratasse de algo sobre leis alimentares, jejuns, festas, rituais ou vida pessoal, tudo era regulado de acordo com leis que, aparentemente, se mostraram tão eficazes que foram em grande parte transportadas para a era cristã atual e adotadas por muitas pessoas, apesar do fato de Jesus ter enfatizado apenas um dos Dez Mandamentos. A eles, ele adicionou outro do antigo ensino hebraico, dando assim ao mundo a grande ética cristã encarnada nos dois grandes mandamentos:

Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento.

Este é o primeiro e grande mandamento.

E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo.

Mateus 22:37-39

A importância que Jesus deu a esses dois mandamentos não implica que ele considerou certo e de boa moral violar os outros Mandamentos – roubar, mentir, enganar, defraudar, testemunhar em falso, matar, ou cometer adultério – porque aqueles a quem ele estava falando entendiam que uma adesão estrita a estes dois grandes mandamentos naturalmente tornaria obsoletos e desnecessários todos os outros.

Aqui reside a diferença entre viver sob a lei como ser humano e viver como o Filho de Deus, sob a Graça. Para apreciar essa diferença, é necessário entender porque e como nove dos dez mandamentos poderiam ser retirados de um ensino, e ainda assim a conduta correta e perfeita seria mantida.

Ninguém pode viver a Vida de Cristo querendo ou desejando fazê-lo. Viver essa vida não é uma questão de vontade, porque, se pudessem, todos gostariam de viver sem a tentação do pecado ou da doença, todos gostariam de ser honestos. Até que Deus venha e faça a si mesmo sentido na Consciência de uma pessoa, ela não pode viver pela Graça: ele deve viver sob a lei, e mais especificamente a lei dos Dez Mandamentos.

Apesar de viver sob os mandamentos ser apenas um passo da evolução humana, isso é necessário na experiência daqueles seres humanos que ainda não foram tocados pelo Espírito, porque a alternativa seria viver na violação deles, coisa que inevitavelmente levaria à destruição.

Viver em obediência aos Dez Mandamentos é muito parecido com viver em obediência às leis municipais, estaduais, nacionais e internacionais. E se nós vivermos de acordo com estes mandamentos, seremos capazes de evitar a maioria dos problemas que afligem os homens e mulheres deste mundo: nós certamente ficaremos fora da prisão e teremos mais harmonia nas relações humanas. Esta obediência, portanto, não só nos faz bons cidadãos, mas nos leva a um passo além disso, ao ponto em que nós também somos bons irmãos uns com os outros universalmente, trazendo assim uma expressão concreta de amor e boa vontade.

Mas agora vamos ver o que acontece quando começamos a manter os dois grandes mandamentos em nossa mente e em nosso coração, atados ao nosso braço, ou até mesmo pendurado no nosso batente da porta. Amar a Deus supremamente significa colocar toda a nossa fé, esperança, confiança e segurança em Deus, reconhecendo-o em todos os nossos caminhos, do raiar da manhã ao cair da noite, e entendendo e confiando em Deus como Inteligência Infinita e Amor Divino. É descansar na garantia dada no Salmo 23, “o Senhor é meu pastor, e nada me faltará”, um repouso nele sem agitação mental, sem medo, dúvida ou preocupação. Não há outro jeito de amar a Deus supremamente, somente estando total e completamente Nele, sob Ele e com Ele.

Jesus sabia que, como Deus e o homem são Um, não há como amar a Deus sem amar o próximo, e a única medida desse amor é que seja o mesmo tipo de amor com o qual amamos a nós mesmos. Portanto, viver, não fazer a ninguém o que não desejamos que seja feito a nós mesmos, não atribuindo nada a outro que nós não gostaríamos para nós mesmos, e alegremente receber e produzir um efeito além do que está envolvido em amar humanamente a Deus sobre todas as coisas e ao nosso próximo como a nós mesmos.

Um terceiro fator entra aí, e esse é o grande mistério. Em amar a Deus supremamente e reconhecendo-o como o Princípio de nossa Vida, a Fonte de nosso Bem, a Substância e a Lei do nosso Ser, passamos a ser altruístas. Estamos nos afastando do plano materialista da vida, no qual a autopreservação é a primeira lei da natureza, uma lei que é completamente antagônica à Lei de Deus e contrária à Vida Espiritual. O Mestre revelou que a forma mais elevada de Vida e Amor é entregar a nossa vida – não preservá-la à custa de alguém, de outra pessoa, mas colocar isso na percepção de que, ao perder nosso sentido de vida, ganhamos a Vida Eterna.

Isso não significa que devemos deixar alguém nos matar, embora signifique que, se fosse uma questão de nossa vida ou de outra, nós seríamos chamados a perder a nossa ao invés de levar a do outro, por mais duro que isso possa parecer. Na verdade, o que isso significa é que, pelo reconhecimento de Deus como nossa Sabedoria, como a Força e a Saúde de nosso semblante, e como a Vida, Substância e Realidade do nosso Ser, nós, por esse reconhecimento, desistimos um pouco do nosso senso pessoal da vida. Não há outra maneira de encontrar Vida Eterna, a não ser abandonar nosso senso pessoal de vida.

No sentido pessoal da vida, estamos quase sempre confiantes de que qualquer Sabedoria que expressamos é nossa; estamos certos de que a saúde do nosso corpo é nossa; nós nos gloriamos por nossas capacidades física e mental, porque acreditamos que elas são nossas, diferenciadas e definidas bem à parte da mente e do corpo dos outros. Por outro lado, quando Deus é reconhecido por constituir a Saúde de nosso semblante e a Fonte de nossa inteligência, orientação, sabedoria e direção, estamos criando a atmosfera e a Consciência necessárias para a capacidade de compreender o mistério do verdadeiro altruísmo.

Da mesma forma, quando amamos o próximo como a nós mesmos, produzimos um Estado de Ser em que nos observamos mais de perto, para ver se o que fazemos e pensamos não ofende a ninguém e, nesse contexto, deve ser lembrado que não é apenas o que fazemos que pode ofender, mas até mesmo o que pensamos.

Até o século passado, acreditava-se que, enquanto mantivéssemos pensamentos críticos, destrutivos, carnais ou sensuais dentro de nós mesmos, nós não estávamos prejudicando ninguém, porque esses pensamentos permaneciam bloqueados dentro de nós. O Mestre, no entanto, sabia, como todos os místicos sabem, que isso não é verdade. Os pensamentos que fluem de nós às vezes são mais poderosos do que os atos físicos, e assim Jesus ensinou isso que ele reconheceu, que não era suficiente resistir ao ato de roubar, mas que era necessário mesmo desistir de cobiçar internamente qualquer coisa pertencente a outro, porque a natureza do que acontece na mente de uma pessoa permeia toda sua atmosfera.

É quase impossível estar na presença de um místico ou de um pessoa espiritualmente dotada e não sentir uma sensação de leveza, alegria ou uma elevação espiritual. Por outro lado, também é quase impossível estar na presença de um indivíduo grosseiro e não sentir o peso da luxúria, animalidade, ou a ganância que emana dele.

Adotar a atitude de amar nosso próximo como a nós mesmos não significa estarmos ansiosos ou preocupados com o nosso vizinho, mas significa observarmos nossos pensamentos e ações para com ele. Aí, é claro, nós chegamos ao ponto místico de manter em nossa Consciência a Verdade sobre o próximo – a Verdade, sim, mas não a verdade sobre um ser humano, e aqui está a linha de demarcação: não é suficiente acreditar que nosso vizinho é bom; não é suficiente acreditar que o nosso vizinho é o nosso semelhante, ou que o nosso vizinho significa o bem, porque nenhuma dessas coisas pode ser a verdade dele.

Seria ridículo chamar certas pessoas de boas, honestas e espirituais, quando suas ações testificam as qualidades inversas. Amar o próximo como a nós mesmos não significa adotar uma atitude de Poliana e dizer a um criminoso: “oh, você é uma pessoa doce e um Filho de Deus”, não significa olhar para alguns dos nossos políticos e tentar perceber o quão gentis e honestos eles são. Tudo isso vem sob o título de estupidez.

Amar o próximo como a nós mesmos significa reconhecer que Deus é a Realidade, a Vida, a Mente e a Lei do nosso próximo tanto quanto Ele é de nós mesmos, quer o nosso vizinho saiba e aja de acordo com isso ou não. Isso não significa olhar para uma pessoa má e chamá-la de boa, mas isso significa olhar para ela e entender que o mesmo Deus que é nosso próprio Ser e nossa respiração está também tão perto e próximo a ela, pois isso significa entender que Deus constitui a natureza do seu Ser, assim como o nosso. Que fique claro que isso não significa olhar para a carnalidade e chamá-la de espiritual; isso não significa olhar para a mortalidade e chamar isso de imortalidade: significa olhar para a realidade, além e através da aparência.

“Se então eu faço aquilo que eu não faria … não sou mais eu que faço isso, mas o pecado que habita em mim”. Então, independente do grau de pecado da pessoa, nós não a classificamos como uma pecadora, ainda que, naquele momento, possa haver um sentido de pecado nela. Desta forma estamos reconhecendo Deus como constituindo o nosso próximo, mesmo aqueles vizinhos que ainda não conhecem a sua Verdadeira Identidade, sua Realidade, ou aquilo que poderia libertá-los de suas discórdias.

Nós não estamos tentando viver a vida de outras pessoas: estamos tentando viver nossas próprias vidas de acordo com os dois grandes mandamentos. Quando os aceitamos como nosso guia e os adotamos como nosso modo de vida, não só embarcamos em nossa jornada espiritual, mas fazemos alguns progressos: nós nos tornamos seguidores do Mestre e estudantes do Cristianismo Real, daquilo que basicamente constitui o ensino de Cristo; nesse momento, saímos do sentido mortal da vida.

Com a nossa visão elevada no reconhecimento contínuo de Deus como aquilo que constitui o Ser Individual, tornamo-nos tão completamente desinteressados que em algum momento o milagre acontece, o milagre conhecido como a Anunciação, que é a concepção do Cristo em nossa Consciência.

Somente por desejar, não podemos, por nós mesmos, receber o Cristo. É um ato da Graça que vem em um momento de desprendimento, quando estamos amando o Senhor Nosso Deus supremamente, e amando nosso próximo como a nós mesmos. Naquela fração de segundo de altruísmo, o espaço é aberto em nossa Consciência para a entrada dessa Semente, o Cristo, e então, conforme nós a cultivamos em silêncio, secretamente e sagradamente dentro de nós mesmos, sem contar a nenhum homem, eventualmente o nascimento ocorre, e torna-se evidente que nós somos um novo Ser, que nós “morremos” para o velho e renascemos para o novo, que rejeitamos a mortalidade e nos revestimos com a Imortalidade.

Essa vida de abnegação não é nos subestimar; não é estarmos interessados ou preocupados com nós mesmos. Pelo contrário, é praticar o que foi aprendido no Primeiro Grau, observando nossos pensamentos e sentimentos interiores, mantendo a Consciência alinhada por meio do contínuo reconhecimento de Deus, e mantendo o nosso próximo em nossa Consciência, na mesma Luz em que gostaríamos de sermos mantidos na Consciência do próximo.

Se pudéssemos, todos nós preferiríamos ser julgados por qualquer medida de Luz Espiritual e Filiação Divina que alcançamos, e não como seres humanos meramente bons, ainda que certamente melhores do que maus. Se nós pudéssemos ter o nosso caminho, teríamos todos os homens ignorando nossos erros humanos, e se pudéssemos nos elevar o suficiente na Consciência Espiritual, eles também resistiriam a qualquer tentação de louvar o nosso bem humano. Nós os teríamos vendo através do bem e do mal e vendo como Deus opera através de nós e como nós.

Isso é semear para o Espírito e não para a carne. Esse é o reconhecimento da Integridade e Identidade Espiritual de cada pessoa, até então tão chamada boa ou ruim, de acordo com as aparências. É um reconhecimento de Deus como o tema central e Verdadeira Identidade de todos os seres, permitindo que esse reconhecimento traga algo novo e diferente para a Luz da Consciência desses indivíduos.

Amar o nosso próximo como a nós mesmos, então, é dar ao nosso próximo o mesmo reconhecimento de piedade que nós damos a nós mesmos, independentemente da aparência do momento. Esse vizinho pode ser a mulher adúltera ou o ladrão na cruz, mas não temos nada a ver com isso. O que temos a ver é amar todos os nossos vizinhos, conhecendo sua Verdadeira Natureza, assim como seríamos amados por eles conhecerem nossa Verdadeira Natureza, apesar da aparência externa temporariamente evidente.

No amor a Deus e no amor ao próximo, há um desprendimento que cria algo como um vácuo, uma ausência da consciência do pequeno “eu”, na medida em que eu, Maria ou eu, João ou eu, Joel, sou considerado. Esse pequeno “eu” está ausente nesse momento, e na sua ausência, a concepção acontece: a Anunciação, o Espírito Santo “cobre com sua sombra”, e dá-se o plantio da semente do Cristo em nós.

A partir de então, caminhamos em silêncio, sagrada e secretamente, com essa Presença Interior, até que ela entre em manifestação visível. E se formos sábios, nós a levaremos para o “Egito” por alguns anos e a esconderemos, até estarmos tão completamente impregnados dele, tão completamente vivos nele, que poderemos expô-lo ao olhar do mundo sem sermos afetados pela perseguição do mundo ou animosidade contra Ele, porque o mundo sempre se opõe violentamente a qualquer manifestação do Cristo.

O Cristo no meio de nós prefigura a morte e a destruição da mortalidade, e é a essa mortalidade que a raça humana quer se apegar: a mortalidade na forma de seu bem pessoal, na preservação do seu eu pessoal, na preservação de seus interesses pessoais, fortuna ou sobrevivência nacional, às custas de qualquer coisa ou qualquer pessoa. A natureza da mortalidade é tal que resiste a qualquer coisa que a destronaria, esse senso pessoal de si mesmo. Então é assim que, se fôssemos dizer aos nossos amigos e parentes como viver sem pensar no que eles deveriam comer, que eles deveriam orar pelo inimigo mais do que eles oram por seus amigos, ou que eles devem perdoar setenta vezes sete vezes, nós traríamos sobre nós mesmos suas críticas, julgamentos, condenação e, eventualmente, se eles tivessem o poder, a crucificação, embora não da mesma forma que a crucificação de Jesus.

Na Escritura há aquele período de nove meses antes de Maria trazer à luz o Cristo- criança; em outras palavras, antes da evidência visível da Cristandade que pode ser trazida à manifestação. Depois, há a viagem para o Egito para esconder o Bebê, um período de dois anos em que ele poderia crescer tão forte que, mais tarde, sem hesitar, Jesus seria capaz de enfrentar a cruz, sabendo muito bem que o ódio e malversação mental da humanidade – inveja, ciúme, intolerância, luxúria, carnalidade – não são poder. São necessários esses dois anos simbólicos no “Egito”, e possivelmente mais, mesmo depois que o Cristo nasceu em nós, para chegarmos à plena percepção do não-poder da mente carnal e do não poder humano ou temporal, seja o de Pilatos, do Sinédrio ou de qualquer outro Golias.

Em nossa primeira experiência de percepção do Cristo, podemos ser tentados pelo nosso entusiasmo em expor isso ao mundo, mas ao fazê-lo, podemos perdê-lo, porque é somente por graus que o Cristo é habilitado a provar a Si mesmo para nós, primeiro por caminhos menores e, finalmente, na capacidade enfrentar nosso Pilatos particular ou levantar do túmulo da tristeza, doença, pobreza ou outros problemas.

Ser humanamente bom e viver sob os dez mandamentos é sábio e necessário para todos nós em um certo estágio de nosso desenvolvimento, mas, para aqueles que embarcaram no Caminho Espiritual, é importante e vital dar mais um passo e abraçar os dois grandes Mandamentos, vivendo-os conscientemente até aquele ponto da auto-renúncia, da auto- entrega, aquele ponto de vazio no qual abrimos caminho para a Graça de Deus estabelecer a Presença do Cristo dentro de nós. Este é o nosso Caminho, este é o nosso objetivo.